Por Rogério Gava
Confesso, eu não leio e-books. Em termos de livros, sou jurássico irredutível. E-books não têm vida. Nem perfume. São assexuados. Não há nada para acariciar aí. Nada de tinta em relevo sobre o papel. Nada da espessura das páginas. Do amarelo opaco das folhas a aconchegar os olhos. Do peso do volume. Das capas duras magníficas. E-books são tristes. Bits encarcerados em um HD. Luzes piscantes. Pixels sem gosto. É impossível agarrar um e-book com prazer. Aliás, é impossível agarrar um e-book, pois ele é um fantasma. E agarrar fantasmas, além de impossível, dá calafrios só de pensar. E-books não são livros, me perdoem os entusiastas.
A leitura é uma experiência tátil – páginas que crepitam sob os dedos –, já disse o grande Umberto Eco. O prazer de dedilhar as folhas. De reconhecer a textura do papel na ponta dos dedos. De acariciar a capa. De apalpar a encadernação. De sentir o aroma inconfundível de um livro, seja novo ou velho. Tenho em casa livros que poderia reconhecer de olhos vendados, só pelo cheiro. Ler é uma aventura também corporal, sensorial. Anatômica. Impossível de se ter em um e-book. Livro é beijo da pessoa amada. E-book é ver duas pessoas se beijando na televisão. Livro é paisagem a olhos vivos. E-book é fotografia.
E-books, ainda, afastam um prazer indissociável da leitura: o prazer de estar entre livros. De formar uma coleção caseira – pequena ou grande, pouco importa – e de admirá-la na estante. De retirar e colocar os livros de volta nas prateleiras, trocá-los de lugar a toda hora para que experimentem nova vizinhança. De espanar os volumes para livrar-lhes do pó nosso de cada dia. De lembrar da história de cada livro. Uma biblioteca é uma memória viva. O leitor e a leitora com certeza têm em casa livros com histórias para contar: quando foram comprados, onde, por que motivo, se foram presente de alguém. Possível ter tudo isso com e-books? Nem precisa responder.
Mas, não adianta, na economia de mercado livros são mercadorias, suscetíveis às transformações da oferta e da procura, da tecnologia e da inovação. Assim, é perfeitamente concebível que esse tal de mercado – que teima a tudo e a todos controlar – acabe decretando o fim do livro. Triste, mas possível. De minha parte, porém, sigo imaginando um mundo onde as bibliotecas aconchegantes com cheiro de madeira continuarão a existir. Um futuro onde o livro estará presente. Tremo diante daquelas visões de futuro onde todo o conhecimento será digital, virtual, eletrônico, quer dizer, totalmente sem graça. Nem me fale!
Saudosismo antecipado? Pode ser. Mas prefiro um futuro onde as crianças – meus doces netos que peço a Deus eu venha conhecer – continuarão a carregar livros para a escola e a trazê-los de volta. Onde dedicatórias passadas de pai para filho permanecerão vivas como no dia em que foram escritas. Onde os sebos – esses redutos maravilhosos de livros usados e antigos – estarão aí para matar a saudade dos velhos e bons livros de sempre. Onde, então, a insubstituível poesia da palavra impressa estará resguardada de seu derradeiro e irremediável fim.