Saio de casa pela manhã. No caminho do trabalho passo no posto para abastecer. Pago com o cartão de crédito e vou embora. Paro na sinaleira e sou filmado por uma câmera de vigilância. Mais tarde, entro em um site de compras para conferir o preço de um livro. À noite, no sofá, dou uma espiada no Instagram.
Mais um dia comum em minha vida. Totalmente documentado. Meus passos podem ser reconstituídos por pessoas e organizações que sequer conheço. A tecnologia que me acompanha registra boa parte do meu cotidiano. Não tenho mais intimidade. Carrego comigo meu celular e deixo rastros; queira eu ou não.
Impossível não lembrar “1984”, o famoso romance que retrata uma sociedade completamente controlada pelo “Grande Irmão”. Nela, casas vigiadas pela “Teletela”, uma espécie de televisor de mão dupla, permite tanto ver como ser visto. Impraticável dar um passo sem deixar registro. Presentes nas praças, nos lugares públicos, instaladas em todos os lares (até nos recantos mais íntimos), as telas proféticas de Orwell monitoravam e gravavam a vida de toda a população. Uma invasão de privacidade análoga a do Big Brother Brasil, que tanto sucesso faz.
O certo é que ninguém escapa à vigilância. Guardadas as proporções da fantasia, a obra-prima de Orwell parece um recado profético nestes dias de exposição virtual e conectividade a toda prova. Se bits e bytes nos ajudam a viver e a trabalhar, ao mesmo tempo nos roubam privacidade. Onde estamos, por onde passamos, o que consumimos, que tempo gastamos nesta ou naquela atividade. Nossas pegadas estão documentadas. Hoje, impossível se esconder.
Vivemos a era da quebra de privacidade. O avanço tecnológico que nos cerca, também nos monitora. Cookies em nossos computadores denunciam por onde passeamos virtualmente. Apontam que sites visitamos, com quem conversamos, o que gostamos e compramos. Câmeras nos filmam: nas ruas, nos shopping centers, nas faculdades e escolas.
As “Teletelas” de Orwell não se transformaram em realidade (felizmente). Mas o que pensar das câmeras embutidas em nossos tablets e smartphones? Das mensagens publicitárias e pop-ups que espocam em nossos computadores sem que consintamos? Da consagração das mídias sociais nos quatro cantos do mundo? Você e eu acessamos o Google e pronto: já sabem o que pesquisamos na internet. Nossa opinião. E esses dados podem ser usados para nos seduzir com anúncios e propagandas, as mais diversas. Pior: nossos dados podem ser vendidos. São moeda de troca. E não ganhamos um centavo com isso.
Informações coletadas pelas empresas e pelo governo contam nossa vida. Computadores onipresentes narram a história de seus proprietários. O marketing direto se alimenta justamente de dados a respeito dos consumidores. As empresas sabem do que gostamos. A internet virou um grande bazar de informações; um mercado persa de dados, virtual e moderno. Sistemas de busca esquadrinham quem deles se serve. A privacidade parece tender para zero. A espionagem alarga seus tentáculos.
Ficou difícil manter segredos. Nossos dados financeiros estão em poder dos bancos e das lojas. Nosso perfil psicológico pode estar circulando pela grande rede. Mas, até onde vai o limite entre o público e o privado?
Boa pergunta, para a qual não tenho resposta. No entanto, um fato me parece certo: o Grande Irmão está entre nós.
Imagem: divulgação