O enfrentamento das forças da natureza sempre foi uma questão desafiadora para o ser humano, desde os primórdios da civilização. A intensidade deste desafio o liga às origens das religiões. As diferentes formas de compreender a natureza, de buscar proteção e a fé, aproximaram o homem do transcendente. E ainda hoje, nos momentos em que a natureza castiga a humanidade, os homens se voltam para seu Deus, em busca de forças e esperança, que chegam, de fato, por mãos empáticas e solidárias, que ajudam e confortam.
Diante das enchentes nas últimas semanas, no Rio Grande do Sul, e os desastres que decorreram delas, ninguém pôde ficar indiferente. Vimos emergir uma onda de solidariedade, que muito tem ajudado as pessoas que perderam suas casas, seus pertences, seus locais de trabalho, espaços de suas comunidades, sua história, quando não, pessoas da família, amigos e conhecidos. Uma comoção geral fez com que cidades vizinhas, municípios de todo o país, organismos governamentais e não governamentais se mobilizassem para o socorro das famílias atingidas.
Além de casas e objetos, é possível dizer que as águas dos rios levaram também a saúde mental, a confiança e a segurança das pessoas.
Reações emocionais intensas e emoções negativas foram as respostas normais para um evento anormal e inesperado na vida de tantos. Inundados pelo medo e pelo desespero, assolados pelo desânimo e impotência, aqueles que perderam tudo estão tendo que lutar. Reinventar-se e buscar dentro de si habilidades que lhes permitam enfrentar essa adversidade que a vida trouxe. Para os que assistem de fora, a impotência vem sendo transformada em união, campanhas de arrecadação de alimentos, roupas e oferecimento de ajuda prática para salvamento, limpeza e reorganização das cidades. Os que são vítimas diretas da tragédia precisam superar o choque e acreditar em suas capacidades de construir um futuro possível.
Mas como pode, o ser humano, superar tragédias? Qual a forma ou a fórmula para enfrentar adversidades?
As adversidades fazem parte da vida e, em momentos difíceis, é fundamental contar com estratégias psicológicas de enfrentamento para lidar com os desafios de forma eficaz.
Nossos mecanismos de enfrentamento estão ligados a três principais necessidades básicas: a necessidade de vínculo, relacionada à confiança e segurança psicológica; a necessidade de competência, que envolve ações concretas de resolução de problemas e a necessidade de autonomia, ligada ao senso de liberdade de escolhas. Em situações de adversidade, portanto, é fundamental potencializar habilidades que garantam a satisfação dessas necessidades, pois isso é o que nos permite a superação. O que envolve fazer isso?
Em primeiro lugar, para garantir nossas necessidades de vínculo, é fundamental buscar e aceitar apoio. O apoio de outros num momento difícil leva as pessoas a não sentirem solidão e desamparo, mas sim, sentirem-se reconhecidas e cuidadas; eleva a autoconfiança e favorece a expressão e regulação das emoções. Isolar-se, responsabilizar os outros ou buscar culpados são estratégias que fragilizam os vínculos e comprometem o enfrentamento.
Em segundo lugar, no âmbito da competência, é fundamental colocar em marcha a capacidade de planejar, analisar logicamente a realidade, determinar-se, persistir, esforçar-se, buscar informações. Por outro lado, pessoas que cultivam pensamentos de desesperança e pessimismo, excesso de culpa, duvidam de si mesmas, e até negam a realidade, têm muito mais dificuldade de enfrentar de maneira eficaz as adversidades.
Em terceiro lugar, lançar mão de habilidades de cooperar, negociar, comunicar preferências, dimensionar adequadamente os problemas, aceitar a realidade, permite que as pessoas se sintam fortes e autônomas, capazes de escolher e serem respeitadas em suas escolhas, levando a resolução dos problemas. Contudo, ampliar os problemas, opor-se sistematicamente, submeter-se ou atacar como forma de defesa, são reações que não favorecem o enfrentamento da realidade.
A resiliência, como uma ampla capacidade de adaptar-se a novos cenários, também é crucial diante de grandes desafios. Trata-se de manter a flexibilidade e sustentar a fé e a esperança, bem como a confiança na vida, no mundo e em si mesmo.
A ajuda mútua, a eficiência do poder público e a solidariedade social podem favorecer o uso de mecanismos de enfrentamento saudáveis em situações de emergências e desastres, mas isso também vai depender de alguns fatores individuais, como a personalidade de cada um e sua maneira de responder ao estresse, sua história de vida – traumas e superações – e a gravidade de sua situação atual.
Considerando isso, não é incomum que algumas pessoas desenvolvam traumas psicológicos, vivenciando quadros de ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, insônia, entre outros.
Nessas circunstâncias, o fornecimento de suporte psicológico adequado para enfrentar esses desafios se faz necessário.
Algumas estratégias importantes incluem o fornecimento de primeiros socorros psicológicos imediatos, o acesso a aconselhamento individual e grupos de apoio, intervenções comunitárias para fortalecer a resiliência, suporte familiar e o estabelecimento de mecanismos de coordenação intersetorial nos serviços de saúde e assistência social. Para isso o investimento adequado e o planejamento de ações pelo poder público são fundamentais para garantir o bem-estar psicológico e emocional das pessoas afetadas por esses eventos.
Cada pessoa é única e pode responder de maneira diferente às adversidades. Algumas estratégias podem funcionar melhor para algumas pessoas do que para outras. Se você estiver enfrentando dificuldades significativas para lidar com adversidades, é recomendado buscar o apoio de um profissional de saúde mental. Os psicólogos são profissionais preparados para fornecer orientação personalizada e ajudá-lo a desenvolver estratégias específicas para enfrentar desafios.
Um psicólogo poderá auxiliar o indivíduo a gerenciar e se adaptar ao estresse, aos desafios e às situações adversas, modificando pensamentos, emoções e ações que as pessoas empregam, a fim de que possam lidar eficazmente com circunstâncias difíceis, que parecem exceder sua capacidade. O objetivo do atendimento psicológico com escuta qualificada é: 1) aliviar o impacto físico e psicológico do estresse nos corpos e mentes, 2) promover a regulação emocional permitindo o processamento dos sentimentos, a expressão saudável dos mesmos e a recuperação do equilíbrio emocional; 3) desenvolver habilidades de resolução de problemas favorecendo que os indivíduos analisem situações difíceis, identifiquem possíveis caminhos de resolução e tomem as medidas apropriadas.
O enfrentamento eficaz promove a saúde mental e o bem-estar, ajuda a prevenir o desenvolvimento de distúrbios de saúde mental, além de reduzir o risco de comportamentos prejudiciais, como abuso de substâncias.
Em resumo, o enfrentamemento saudável de adversidades é essencial para que os indivíduos possam navegar pelos altos e baixos da vida, manter o seu bem-estar psicológico e gerir eficazmente os desafios que surgem no seu caminho. Ele capacita os indivíduos a se adaptarem, crescerem e prosperarem diante das adversidades.
Estas considerações podem ser esclarecedoras e auxiliar a todos, e podem ser de muito valor para as pessoas que, neste momento, passam por situação de tragédia e para as que precisam organizar ações nesse contexto. Todo o auxílio é importante e necessário, desde o concreto, o afetivo, até as preces, mobilizando a esperança na vida, através da presença solidária do nosso semelhante.