Por Rogério Gava
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A FELICIDADE
Vinicius de Moraes, Antônio Carlos Jobim
FELICIDADE NÃO SE PROCURA
“Felicidade se acha em horinhas de descuido”, disse poeticamente o grande Guimarães Rosa. “Só existe felicidade inesperada”, ensina o filósofo Comte-Sponville. Duas afirmações e um só sentido: a felicidade não se premedita, não se persegue como a um objetivo ou meta.
Encontramos a felicidade quando menos a buscamos, lá onde imaginamos ela jamais pudesse existir. A felicidade é aquilo que achamos quando não saímos para procurar. E aí, então, estamos felizes…e pronto! Simplesmente. Como escreveu o Drummond, “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”.
FELICIDADE ANTECIPADA
“O melhor da festa é esperar por ela”, diz o ditado. Agradável verdade. Ser feliz por antecipação já é estar feliz. Sentir o prazer das férias por chegar. De um jantar a dois que se aproxima. De um gole na cerveja que gela. Amostras de uma felicidade vindoura que são, de antemão, a própria felicidade.
Ser feliz é sentir o aroma da deliciosa comida e ter o prazer anunciado de saboreá-la. Sempre na confiança, é claro, de que a felicidade esperada se concretize. Ser feliz é também confiar que tudo vai dar certo. Mesmo, que, saibamos, nada, nunca, estará garantido.
FELICIDADE É ACEITAÇÃO
A respeito da felicidade, anotou Camus: “(…) o que é a felicidade senão o simples acordo entre um ser e a existência que ele leva?”. Estar feliz com o que se é e o que se tem. Fácil escrever; difícil praticar. Mas, sem dúvida, esse “acordo de cavalheiros” entre o que somos e o que gostaríamos de ser é essencial para sermos, se não mais felizes, por certo menos infelizes.
Há coisas que não mudamos: a perda de uma pessoa querida, frustrações passadas, erros cometidos. Ser feliz é também aceitar o que não pode ser modificado. Tão importante quanto, porém, é saber que podemos sim, mudar como encaramos o que a vida nos trouxe, nossa percepção a respeito de tudo o que nos sucedeu. A felicidade não é uma aceitação complacente, derrotada. É, sim, um consentimento lúcido e voltado para o futuro.
FELICIDADE PACIENTE
Camus, novamente, nos fala que a felicidade “é também uma longa paciência”. Aprender que “amanhã é outro dia”, e que o tempo é senhor do mundo. Saber que há a hora da semeadura e da colheita, e que não adianta levantar o fogo para apressar ao assado. O escritor e psicanalista Hélio Pelegrino, certa vez, disse que a impaciência era o pior dos pecados. E que precisamos ter uma longa e interminável paciência. Verdade. A felicidade é uma velha panela de ferro, lentamente esquentando sobre o fogão a lenha.
FELICIDADE É AGORA
Fala Montaigne: “Nunca estamos em nós; estamos sempre além. O temor, o desejo, a esperança, jogam-nos sempre para o futuro, sonegando-nos o sentido e o exame do que é, para distrair-nos com o que será, embora então já não sejamos mais”. Somos reféns do futuro, sempre a esperar. Cegos ao que temos hoje, não cessamos de nos preocupar com o que nos falta. Desviados do único caminho real, o agora, é certo que mais e mais nos enredamos em confusão.
Ouçamos Epicuro: “Tu, que não és do amanhã, adias a vida; e essa vida perece pelo adiamento. Ao final, todos nós morremos atarefados”. O que esperamos da vida é a felicidade, e, muitas vezes, passamos a vida inteira esperando por ela. Frustrados, vamos à caça da última novidade tecnológica, de diversões e prazeres que nos façam esquecer o vazio. Abarrotamos a vida de compromissos urgentes. E esquecemos o essencial. Paradoxalmente, o imperativo da felicidade é justamente o que mais afasta o homem do “ser feliz”.
A FELICIDADE SE ESCONDE DENTRO DE NÓS
Tal e qual a caricatura do idoso a procurar os óculos por toda a casa, apenas para encontrá-lo sobre o nariz, seguimos buscando a felicidade que se escancara a nossa frente. Procuramos o que já temos? O poeta francês Chamfort nos dá uma pista da resposta: “a felicidade não é coisa fácil: é muito difícil encontrá-la em nós e impossível encontrá-la em outro lugar”.
O culto da felicidade já provou ser um engano. A felicidade não é um dever. Tampouco um prêmio. A felicidade é o que ela é: um mistério; uma brisa que passa; uma gota de orvalho que tão logo nasce já se esvai. Nos resta vivê-la. E parar de procurá-la.