As soluções para as indústrias de bebidas e alimentos apresentadas na 15ª Envase Brasil vão além de máquinas e equipamentos – também passam pelo conhecimento. No primeiro dia da feira, aberta nesta terça (23), em Bento Gonçalves, a cadeia vitivinícola teve seu principal produto, o vinho, debatido sob a ótica do turismo, da tecnologia e do mercado, durante a realização do Meeting Wine Experience.
O encontro, com o tema “O Vinho que Alimenta”, aproveitou o já consagrado enoturismo na região para explorar outra vertente do segmento, o agroturismo. Na palestra internacional, o especialista italiano Fausto Faggioli disse que a atividade, focada em oportunizar novas experiências com a oportunidade de hospedar o visitante, agregar valor às produções locais e promover o território tende a crescer, e os estabelecimentos precisam estar preparados. “O turismo, em 2027, será uma das principais economias do mundo e uma das maiores empregadoras”, disse.
Para ele, o público está mais aberto a explorar um turismo mais autêntico e menos massificado, e a simplicidade da vida rural, em meio à natureza, representa essa busca. Neste contexto, as pessoas e a cultura do lugar ocupam valor central. “Muitos produtos podem ser replicados em qualquer lugar do mundo, mas o território e as pessoas são únicos”, destacou.
Ao mostrar alguns cases do agroturismo italiano, Faggioli reforçou como as pessoas estão cada vez mais em busca de emoções para seus programas turísticos. Segundo ele, uma pesquisa realizada com turistas apontou que 65% deles estão atrás de experiências novas e 76% preferem gastar em atividades que proporcionem experiências em detrimento a se hospedarem num hotel de luxo. “As pessoas estão mais ligadas às emoções, não é o produto em si, mas as sensações das experiências. Não é só que você me oferece, mas o que me faz sentir”, disse Faggioli. O italiano também destacou a importância da história que cerca as regiões que apostam no agroturismo. “O agroturismo é a cultura de identidade territorial. Não se pode ofertar apenas um quarto e um restaurante, tem que haver uma narrativa histórica. A atividade precisa ser feita com entusiasmo, porque as pessoas podem esquecer o que dissemos e fizemos, mas não vão esquecer o que as fizemos sentir”, ensinou.
Em outra palestra do Meeting Wine, os jornalistas Luciano Potter e Gabriela Bordasch trouxeram ao debate a inovação e a inteligência artificial a partir do acompanhamento da última edição do South by Southwest (SXSW), um dos maiores eventos de inovação em mídia, comportamento e consumo do mundo, realizado em março nos Estados Unidos. Na conversa sobre o que esperar do futuro, de preferência na companhia de uma taça de vinho, eles destacaram a importância das relações humanas diante das inúmeras mudanças advindas com a tecnologia nos últimos anos. “Sempre existiu tecnologias que abalaram o mundo, então, o mundo é para quem está mudando com ele. O ser humano sempre conviveu com essas angústias de mudanças, o que precisamos fazer é cultivar relacionamentos saudáveis e ouvir as pessoas”, disse Potter. Gabriela reforçou essa percepção. “O que a gente vai ver nos próximos 10 anos não vimos nos últimos 100. Mas no final, tudo é sobre pessoas. As relações nos dão apoio, compreensão e senso de pertencimento nesses tempos em que precisamos nos reconectar com a humanidade”, contou.
O Meeting Wine também apresentou as percepções colhidas pelo consultor em Marketing Marcello Beltrand a respeito do setor vitivinícola. A palestra “Desafios do ecossistema da uva e do vinho: novos consumidores, novos mercados, novas estratégias” é resultado de um estudo encomendado pelo Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS). O trabalho, realizado junto a produtores, entidades, distribuidores do varejo, influenciadores, governos e especialistas, mostrou que o setor precisa estar atento aos consumidores entre 25 e 35 anos (sem esquecer os experientes) e comunicar seus produtos destacando descontração, estilo de vida e simplicidade. Além disso, deve rejuvenescer produtos e aprender com os não-clientes.
Em meio a um mercado cujo consumo está estável, o estudo identificou algumas mudanças ocorridas nos últimos cinco a 10 anos. Entre elas estão a multiplicidade de canais de venda do vinho e o envelhecimento dos consumidores. Também apareceram a complicação do vinho por sommeliers e as gôndolas com muitas ofertas. “É confuso comprar vinho, é um problema para o consumidor escolher”, disse Beltrand. Quanto aos produtos, entre as mudanças ocorridas nesse intervalo de tempo estão o surgimento de novas categorias de vinho, como frisantes e vinhos frutados, e o aumento da tecnologia. Já quanto ao consumo, aparece também a simplicidade do novo consumidor e o vinho suave como escada par ao vinho fino. “O vinho é uma jornada”, comentou.
Em relação ao mercado, o levantamento diagnosticou que após a alta de consumo na pandemia, houve estagnação. Mas há soluções para que os números voltem a crescer. Uma das questões que apareceram no estudo mostram que o brasileiro gosta de bebida gelada, por isso, Beltrand mostrou a importância de produtos da indústria vitivinícola com esse perfil. “Espumantes, brancos, demi (meio-doce) e frisantes podem ajudar o consumo aumentar”, disse. Além disso, reforçou a importância de as vinícolas estarem atentas a produtos sem álcool, uma prática já em curso por muitas empresas na Serra. “Em tese, o Brasil tem 60 milhões que não bebem álcool”, disse, mostrando o tamanho do potencial para o setor.
Entre os desafios para a categoria, estão conquistar não conhecedores, aqueles que não apreciam; não familiarizados, os que querem iniciar; iniciantes, aqueles que preferem vinhos acessíveis; e geração Z, que são exploradores. Além disso, devem manter os consumidores entusiastas, os que relacionam o vinho a um estilo de vida, os tomadores de rótulos, que buscam vinhos de boa qualidade a preços acessíveis e os super premium.
Foto: André Pellizzari