Por Conexão PSI
Quem nunca ouviu a expressão “muita mulher junto não dá certo” ou “amizade de mulher é falsa”, ou ainda “você está linda, melhor que suas amigas”, “mulher se veste para competir com outras mulheres”…? Comentários desse tipo são comuns nas rodas de conversa, nas redes sociais, nas propagandas, nas novelas, filmes e poesias. São repetidos por homens e até pelas próprias mulheres, criando e incentivando uma disputa que acaba por depreciar o valor feminino.
A rivalidade feminina foi algo ensinado às mulheres e incentivado pela sociedade até o ponto de se enraizar como algo natural.
Com base nessa suposta natureza da condição feminina, justifica-se uma comparação constante, que inicia na avaliação da beleza – sempre conforme o padrão da moda – e termina nas características pessoais da outra, não sendo raro julgar quem não casou, quem se tornou chefe, quem não quer ser mãe, quem tem muitos filhos, quem trabalha demais, quem não trabalha fora de casa, enfim, a lista é infinita…
Estudos feministas demonstram que a desigualdade e a condição de inferioridade das mulheres na cena social e nos ambientes produtivos e corporativos é um produto sócio-histórico que tem suas repercussões na constituição da subjetividade feminina. Forjada na incompletude e na impossibilidade, bem como na dependência de filhos, maridos e outras figuras masculinas, ao longo da história, as mulheres acabaram por buscar reconhecimento e valor através da competição com outras mulheres. Para conquistar um lugar de valor na sociedade, as mulheres tendem a aproximar-se de padrões que consideram ideais, mas que as colocam, em diversas situações, no lugar de objeto e não de sujeito.
A beleza do corpo e a grife da roupa constituem-se como arenas de comparação que definem os lugares de poder entre elas. Desde adolescentes estamos preocupadas com qual roupa as amigas vão usar para um determinado evento. Estar “adequada” à situação é mais importante do que estar confortável ou refletir seu gosto estético através da roupa. Atire o primeiro batom quem nunca comprou uma roupa que não gostava, influenciada pela opinião das amigas ou da vendedora?
A vaidade feminina, outra característica naturalizada, é constantemente incentivada, mantendo assim a mulher numa condição de incompletude e numa incessante busca para atingir os padrões sociais para seu gênero. Mesmo se formos magras o bastante, claras o bastante, com cabelos suficientemente longos, volumosos e sem frizz – com certeza coloridos – ainda temos que fazer preenchimento e harmonização facial. É bem possível também que, mesmo depois desses procedimentos, nos sejam oferecidos outros melhores ainda, artifícios do mercado de consumo que nos prometerão a magia da beleza e da projeção social.
Estabelecer comparação com outras mulheres e enxergar nisso superioridade é útil para fomentar o consumo desenfreado na busca por um padrão inatingível, que amplia as exigências do cotidiano, podendo levar mulheres à baixa autoestima, tristeza e ao sentimento de incapacidade, reiniciando um ciclo que se reforça pela falta, pela incompletude.
Muitas vezes, até a própria escolha conjugal é movida por referenciais externos que traduzem o desejo indireto pelos lugares de poder. Afinal, atire o segundo batom quem nunca se surpreendeu quando viu um homem bonito e rico casado com uma mulher “feinha…” O inverso também gera julgamento: uma mulher jovem e bonita casada com um velho rico… hummm. Golpe do baú! Encontramos aí, atrás da maquiagem, um desprezo pela mulher, seus afetos, suas escolhas e sua essência.
Nietzsche, conhecido filósofo, tem a seguinte frase: “As próprias mulheres, no fundo de toda a sua vaidade pessoal, têm sempre um desprezo impessoal – pela mulher”.
Se a desvalorização da mulher e do feminino estão no cerne da rivalidade entre elas, isso é, com certeza, uma consequência da cultura – e não da natureza – deixando sua marca inconsciente, mas revelando-se e reproduzindo-se nos discursos e atitudes competitivas.
Engana-se quem pensa que tudo isso é intencional. Habitar uma condição de objeto é antes uma consequência da necessidade de oferecer algo a alguém em troca de respeito, valor e poder. Ao abrirmos mão da nossa essência, do reconhecimento dos nossos desejos e da diversidade das formas de amar e viver, estamos entregando uma parte que nos pertence. Não somos sujeitos da nossa existência e nos afastamos da empatia, da sororidade e da solidariedade.
Ao seguirmos reproduzindo esses padrões relacionais e culturais só estamos nos dividindo e nos enfraquecendo quando, mais do que nunca, precisamos dar as mãos para avançar no exercício pleno dos nossos direitos e receber respeito pelas escolhas que abraçamos na vida.
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