Por Rogério Gava
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Onde mora a identidade de um homem? Com certeza não é nas pernas! Se eu ficar sem as minhas, continuarei sendo eu. O mesmo vale para os meus braços. Para todos os órgãos que perfazem meu corpo. Se eu colocar um coração artificial, ou de outra pessoa – ou até de um animal – a bater em meu tórax, continuarei a ser quem sempre fui. Meu pai viveu por um bom tempo com uma válvula cardíaca de boi abrindo e fechando no peito: era o meu velho pai de sempre. Se meus olhos forem extirpados, ou meu sistema auditivo, minha pele, meus ossos trocados por próteses, continuarei a ser quem sou. No entanto, tudo muda de figura quando chegamos ao cérebro.
Podemos substituir partes do nosso corpo como se troca o pneu de um carro. A medicina está cada vez mais avançada nisso. A produção de clones de nossos órgãos, a partir de células-tronco, não é mais filme de ficção científica. A impressão 3D já é usada para a fabricação de órgãos artificiais. Mas a troca, nesses casos, é apenas funcional: não acarreta nenhuma mudança no “eu” da pessoa transplantada ou que recebeu um órgão artificial. Já com o cérebro é diferente. Nossa massa encefálica não é substituível dessa mesma forma. Ela não tem sobressalente.
Fico pensando em um futuro onde o transplante de cérebro seja tecnicamente possível. Pegar o cérebro de João e colocá-lo no corpo de José. Essa possibilidade, no entanto, tem uma consequência imediata: José não seria mais José, mas agora João. O “eu” de João apenas teria mudado de moradia; seria um novo inquilino no corpo de José. O cérebro de João poderia até mesmo ser instalado em um robô. Teríamos então um cyborg com o cérebro de nosso amigo. Nosso “eu” – seja lá o que isso signifique –, até onde avançamos em nosso conhecimento, parece ser indissociável do cérebro que o abriga.
O que aconteceria, por exemplo, se meu cérebro fosse dividido e cada hemisfério cerebral colocado em uma pessoa diferente? Passariam a existir “dois Rogérios” a perambular pela cidade? Se todas as partes de meu corpo fossem trocadas por sobressalentes artificiais, até restar somente meu cérebro acoplado em um robô, eu continuaria a ser quem sou? E se fosse possível conservar meu cérebro “in vitro”, ligado a um supercomputador que o alimentasse com sensações reais, de forma que eu não notasse que agora seria apenas um cérebro isolado, mas sim o mesmo Rogério de sempre: isso provaria que o meu querido “eu” é uma ilusão?
Será o cérebro a última fronteira entre o ser e o não ser de Shakespeare? Existirá uma ligação entre a mente e o cérebro que ainda não descobrimos? Ou minha mente é meu próprio cérebro? Quando pensamos em toda essa questão, nos deparamos com uma situação inusitada adicional: trata-se do próprio cérebro tentando entender-se. Ou seria a mente, de dentro de um cérebro, interrogando esse mesmo cérebro e ela própria?
O mistério cérebro-mente – ou mente-corpo – é assombroso. Diante dele, somos tomados pelo espanto. É um verdadeiro milagre que de uma pelota cinzenta de carne com cerca de um quilo e trezentas gramas, tenha emergido uma mente consciente. Temos consciência de que temos consciência. Autoconscientes de nós próprios, então, usamos essa mesma autoconsciência para entender o que ela é. Em suma, para compreender o que somos. Mas muito ainda nos falta saber. Chegará o dia em que decifraremos o nosso tão amado “eu”?
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