Por Rogério Gava
Das muitas tiradas geniais do saudoso Mário Quintana, guardo uma em especial: dizia o poeta que “o mal dos aviões é que não se pode descer a toda hora para comprar laranjas”. Eu, que prefiro guardar distância de aeroportos e sou cliente assíduo das tendas de beira de estrada, assino embaixo. Tá certo, ver a paisagem lá de cima até que é legal. Mas melhor ficar por aqui embaixo mesmo. Qualquer problema, pelo menos dá para correr.
Essa história de avião me faz pensar nos tantos medos que nos afligem. Hoje, nossos medos se potencializaram. Como comenta o filósofo Luc Ferry, temos medo de tudo. Do efeito estufa, do sal, da velhice, dos hormônios do frango, dos agrotóxicos, do colesterol, da infecção hospitalar, de perder o emprego, do açúcar, do câncer, do microondas, dos raios solares, dos transgênicos. Como Ferry vive na França, teríamos que acrescentar à lista medos mais brasileiros: de assalto, de sequestro relâmpago, de bala perdida, da violência no trânsito. Enfim, a lista é grande.
É claro que existem medos bem reais. Medo de um acidente ou de uma cirurgia. Mas – nos ensina o filósofo – há outros medos a nos importunar. Por exemplo, o medo social. O medo do olhar do outro, da reprovação alheia. Isso explica o pavor quase universal de falar em público, que tanto assombra os universitários na época das bancas. Há também os medos psíquicos, as fobias. Medo de ficar trancado no elevador, de multidões, de aranha. Existem ainda as obsessões, espécie de medo mais neurótico: fechei o gás? A porta da garagem? Melhor voltar para conferir…
O maior medo de todos, contudo, é o medo da morte. Aliás, a grande maioria de nossos medos nada mais é do que o medo da morte disfarçado. Dissimulado. A morte é o nosso medo dominante, que dá vida a quase todos os outros. Tememos pela nossa própria morte. Tememos, muito mais, pela morte daqueles que amamos. O terror de nunca mais vermos quem mais queremos. É por isso que as religiões fazem tanto sucesso. Elas nos aliviam do pânico da morte, dizendo que depois há algo mais. Que vamos todos, algum dia, nos reencontrar. Nesse sentido, a religião dá de dez a zero na morte.
Eu sei, o medo tem seu lado bom, quando serve como mecanismo de defesa. É o que ocorre quando evitamos uma rua escura e erma à noite. Sobrevivemos como espécie, também, graças ao medo inteligente. O medo que nos protege e nos afasta dos perigos. E nada mais perigoso do que não ter medo algum. O problema, contudo, é quando o medo nos paralisa. Nos parasita. E aí passamos a ter medo de tudo. Da mudança. Do futuro. De tentar. Do que os outros vão falar. Então, aprisionados pelo medo, deixamos de viver.
Se vencer totalmente o medo é impossível, sucumbir a ele é covardia. Encarar nossos medos de frente, pesá-los e não nos deixar enganar por eles. Saber diferenciar o que é medo real e o que é produto das nossas limitações e imperfeições. O que é desculpa para continuarmos na segurança ilusória da acomodação. Tarefa difícil, bem sei. Mas, sem risco, nada se faz. Nada se alcança. E, afinal, como bem ensinou Guimarães Rosa, viver é negócio muito perigoso, e o que a vida quer da gente é coragem.
Do livro “FELICIDADE”.
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