Por: Rogério Gava
Meus filhos têm aula de filosofia na escola. Eles protestam, dizendo que não vêm grande utilidade nisso. Digo a eles que filosofia é muito importante para a vida prática, por mais que pareça um amontoado de divagações. E que o pai deles não teve esse privilégio. Fui estudante escolar nos tempos da ditadura, quando matérias que “fazem pensar” não eram propriamente bem-vindas nos currículos.
Filosofar é mais do que importante e por um motivo simples: ela nos ensina a pensar melhor. Sim, a verdade é que não nascemos sabendo pensar. Pensar se aprende. É uma habilidade e, como tal, algo que se desenvolve e aprimora. É claro – o leitor pode estar contestando – todos pensamos! Mas pensar da forma corriqueira como fazemos é bem diferente do pensamento reflexivo que a filosofia nos pede.
André Comte-Sponville, filósofo francês que muito admiro, costuma dizer que filosofar é “pensar a vida e viver o pensamento”. Uma definição luminosa: quem pensa melhor, vive melhor, porque aplica o que pensa na própria vida. É isso que temos que ensinar aos nossos jovens: pensar antes de falar, refletir, ter postura crítica, não aceitar qualquer afirmação. E agir conforme o pensamento.
A filosofia nos instrui a sermos refratários aos dogmas. Ela tem horror a eles. Pelo simples fato de que a filosofia não busca respostas, mas melhores perguntas. Filosofia não é ciência; tampouco religião. A existência de Deus, por exemplo: impossível prová-la ou refutá-la cientificamente; crer em Deus é um ato de fé, e como tal abdica das certezas científicas e filosóficas. Quem crê não precisa de provas, tampouco reflete (ou seja, o crente não faz filosofia) sobre por que crê. Acredita e pronto. É nesse ponto que a filosofia se separa da religião. A filosofia não é uma fé. Ela não nos dá certezas, muito pelo contrário. Ela é essa voz incessante que nos pede para sempre duvidar das respostas prontas.
A filosofia também nos ajuda a conviver com a contradição inerente à vida. Por exemplo: o homem é bom ou mau? Ora, ele é as duas coisas ao mesmo tempo, por mais que essa verdade golpeie nossa visão maniqueísta da vida (e basta ler o jornal para nos darmos conta disso). Outro exemplo: o que é a felicidade? A filosofia nos afirma ser ela não um estado, mas uma maneira de viver no mundo. E isso implica a infelicidade, pois estar feliz não significa uma vida isenta de problemas, frustações e angústias. Dois fatos simples, onde a filosofia nos mostra ser a vida dicotômica, e não uma questão de isso “ou” aquilo.
A filosofia nos educa a sermos mais críticos. A investirmos no papel de “advogados do diabo” de nossas certezas, das verdades repetidas, das bobagens de toda sorte – hoje travestidas de “fake news” –, que nos bombardeiam sem cessar. É errado matar animais? A pena de morte pode ser justificada moralmente? O aborto é crime sempre ou somente em determinadas circunstâncias? Note o leitor que todas essas (e tantas outras) questões, são muito difíceis de responder, ou, até, sem resposta definitiva. Filosofar é rever incansavelmente nossas tão amadas “verdades”.
Por último, mas não menos importante: a filosofia nos mostra que a sabedoria é uma construção que nunca termina. Mais do que isso, ela é uma ação que está ao alcance de todos. Filosofar é um ato democrático, ele não é patrimônio dos mestres, sábios e iniciados. Pelo contrário. Todos podemos – e devemos – filosofar. A filosofia é um direito, e como tal não devemos abdicar dele. Não podemos deixar que filosofem (pensem) por nós. Aliás, ninguém poderia. Os mestres nos guiam, é verdade, mas eles não filosofam em nosso lugar. A cada um cabe pensar a própria existência. Trata-se de tarefa intransferível. Assim como a vida e a morte.
Volto aos meus filhos. Vejo-os fazendo os temas de filosofia. Lá pelas tantas, começam a discutir as questões propostas. Quase brigam defendendo esse ou aquele ponto de vista. Pedem minha opinião. Coloco meu argumento. Eles o refutam. Explicam o que pensam do assunto. E por que assim raciocinam. Sem notar, estão filosofando. Dois mil e quinhentos anos de história e a filosofia sobrevive.
Temas feitos, vida que segue. Sócrates ficaria satisfeito.
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