Gaúcho, 57 anos, natural de Pelotas, Carlos Badia mudou-se para Porto Alegre aos 11 anos. Desde jovem, a música sempre fez parte de sua vida. Músico, compositor e escritor, o produtor cultural do Bento Jazz & Wine afirma que o Festival é uma celebração e um acontecimento, onde a música e o vinho darão o ritmo, de 19 a 21 de novembro.
Integração – Como foi seu encontro com a música?
Badia – Desde jovem, ouvindo música erudita com meu pai, e música popular e jazz com meus primos mais velhos. Depois, aos 15 anos ganhei meu primeiro violão, comecei a estudar em um conservatório em Porto Alegre, fiz a escola da OSPA e não parei mais de estudar música, embora minha formação também tenha sido em Filosofia. Mesmo tendo interesses diversos como botânica, ambientalismo, artes e filosofia, a música sempre está no meu dia a dia.
Integração – Você já fez trilhas para publicidade, cinema, animação e televisão. Conte um pouco dessa trajetória.
Badia – Foi uma experiência muito importante em minha formação. Além do contato diário com criação, houve o aprendizado sobre produção musical em estúdio, equipamentos, mixagens, captação de instrumentos e voz. No caso da publicidade, ainda tive o impactante contato com ferramentas de marketing do mercado. E o despertar da constante busca por renovação que este mercado instiga nos profissionais do setor.
Integração – Depois disso, você ficou conhecido como produtor musical, compositor e violonista. Como o Jazz, de origem negra americana, entrou na sua vida?
Badia – Desde jovem, com o primo Chicão Oliveira e com o amigo Guto King, tive acesso livre a discos muito atualizados sobre jazz, música instrumental brasileira e internacional e o melhor da produção na área. Eles eram consumidores vorazes desses estilos e de novidades e, claro, pessoas mais velhas do que eu. Assim, fui “contaminado” desde adolescente pelo Jazz e sua imensa diversidade. As pessoas têm sempre uma ideia muito limitada do Jazz. Mas existe o jazz eletrônico, fusion, jazz-rock, jazz vocal, jazz com hip-hop, jazz com fusões regionais, entre outros. Muita gente se surpreende com essa diversidade, para além da obviedade.
Integração – Quais foram suas principais influências no Jazz?
Badia – Ouvi um pouco de tudo já, seja por curiosidade, seja pelo meu ofício de Curador de Festivais e eventos, o que nos leva a ouvir de tudo, desde as antigas até as novas produções. Mas eu diria que o Jazz que mais impactou foi o produzido pela gravadora alemã de Jazz, ECM Records. O diretor da gravadora, Manfred Eicher, revolucionou o Jazz mundial. A empresa, além de gravar música de alto nível, com artistas como Keith Jarret, Pat Metheny, Egberto Gismonti e Ralph Towner, elabora designs geniais para as capas.
Integração – Compor canções e músicas instrumentais sempre foi um processo natural?
Badia – Sempre, e até certo momento era um problema para mim. Achava que eu deveria optar na carreira. Mas quando fui produzir meu primeiro disco “Zeros”, percebi que aquilo que eu julgava ser um problema era simplesmente minha característica, uma essência criativa que eu simplesmente deveria tocar adiante. Esse primeiro disco, portanto, é uma unidade em um álbum duplo, onde um disco é instrumental e outro só de canções. Como escrevo também, e tenho dois livros publicados pela Editora InVerso, de Curitiba, criar canções e música instrumental é algo absolutamente natural no meu processo criativo.
Integração – Quantos discos já gravou? Em grupos e carreira solo também?
Badia – Já produzi vários discos. Mas destaco os meus, que são três (Zeros, 0+2 e agora VOO), e os três que gravei e produzi com o grupo de jazz Delicatessen, que teve grande repercussão na Europa e Ásia, especialmente no Japão.
Integração – Isso trouxe reconhecimento nacional e internacional ao seu trabalho. Quais prêmios já conquistou?
Badia – Destaco, além de vários prêmios no Troféu Açorianos de Porto Alegre, dois Prêmios da Música Brasileira como produtor musical (um dos mais importantes da música brasileira), três prêmios no Prêmio Profissionais da Música (um deles como Melhor Produtor de Eventos do Brasil), além do Prêmio Grão de Música, em São Paulo, pelo meu trabalho.
Integração – Todas as músicas são de sua autoria ou tem parceiros nessa jornada?
Badia – A maioria é composição própria, mas tenho algumas parcerias com Fábio Torres, Pedro Tagliani, Everson Vargas, Rafuagi, entre outros.
Integração – Seu último álbum “Voo” reúne faixas autorais, misturando linguagens do sul do Brasil com ritmos latino-americanos. Como se desenvolveu esse processo de criação?
Badia – Foi tão natural que só percebi suas principais características quando ouvi o resultado final. Até ali não tinha me dado conta de que eu não tinha nesse álbum as brasilidades que haviam em meus trabalhos anteriores. E foi aí também que me dei conta que no Rio Grande do Sul, esses ritmos eram absolutamente naturais. A partir disso, observei que o Brasil praticamente não se percebe sul-americano. Comecei um debate/provocação com a seguinte ideia: se esses ritmos, como milonga e chamamé, são naturais em um estado brasileiro (RS), porque não podemos os considerar também como ritmos brasileiros? Está lançada a polêmica.
Integração – Como você consegue conciliar o tempo para ser músico, compositor, escritor, produtor e ativador cultural?
Badia – Eu diria que é simplesmente uma característica minha e não uma qualidade. Porém, cada vez mais nós, profissionais da Cultura, precisamos atuar em várias frentes de trabalho. Em meu caso, já lido bem, embora seja difícil. Por isso é vital trabalhar em conjunto com boas equipes. Ninguém faz nada sozinho. Para o Bento Jazz & Wine Festival contamos com uma equipe excelente. Eu diria mais: não é à toa que Bento Gonçalves tem se destacado no cenário estadual como sede de promoções culturais. Hoje, é a cidade gaúcha que mais investe em Cultura no Estado. É uma cidade que, cada vez mais, tem se preparado para ser destaque nacional em Eventos (tem todo o perfil). O nível de profissionais do setor na cidade, é admirável.
Integração – Falando sobre o Bento Jazz & Wine Festival. Por que a escolha de Bento Gonçalves para sediar o evento?
Badia – Como disse, Bento tem se preparado, e muito bem, para ser uma referência nacional em eventos. O aprimoramento, em paralelo à região geográfica da cidade, com belezas naturais, além de infraestrutura hoteleira e gastronômica e a força turística e cultural de Bento são fundamentais para quem quiser investir na cidade. Percebendo essa pujança e o fato de que Bento precisava de um Festival de Música permanente para chamar de seu, o ex-prefeito Guilherme Pasin e o Secretário de Cultura Evandro Soares, a meu ver dois visionários entraram em contato comigo, pela minha experiência em alguns eventos, especialmente o Poa Jazz Festival, para a promoção de um evento similar em Bento Gonçalves. Nesse ano, saí do Poa Jazz para me dedicar ao Bento Jazz Wine Festival. Queremos que o evento seja referência regional, nacional e internacional, como o ocorrido com o Poa Jazz. Quando recebi o convite, apenas percebi o inevitável: a relação do Jazz com o vinho, na Capital Brasileira do Vinho. Duas culturas que dialogam com total pertinência.
Integração – Teremos jazz com sotaque gaúcho? Instrumental e vocal?
Badia – Sim, e a prova mais conhecida é Renato Borghetti, que leva esse sotaque musical para os mais diversos festivais de Jazz em todo o mundo. Teremos também o vocal representado pelo Grupo Blues Jazzmine. Integração – Um dos documentários a ser apresentado é sobre a cantora Ana Maria Mazzotti. Qual a influência dela no jazz nacional?
Integração – A influência e a importância da interpretação de Ana Mazzotti na música brasileira deve ser percebida pelos moradores de Bento Gonçalves, onde a artista residiu desde a infância. O festival homenageia a artista com a apresentação desse filme/documentário, que mostra essa gigante da música brasileira, falecida muito jovem, num país de pouca memória. Sua obra é pouco conhecida, mesmo na cidade onde ela se criou. Ana Mazzotti foi um fenômeno artístico. Uma estrela que nos deixou muito cedo, e que não podemos esquecer. Vida longa à obra de Ana Mazzotti!
Integração – Além das apresentações musicais, o evento contará com workshops, exposição de artes, cinema, wine bars e a participação de vinícolas locais. O que o público pode esperar do evento?
Badia – O festival é muito mais do que um evento exclusivo de música. Ele é uma celebração e um acontecimento, onde a música e o vinho darão o ritmo. Assim,
debates sobre turismo, cultura, economia, entre outros temas, exposições de arte com artistas da cidade com o tema música e vinho. Também será marcado pelo encontro entre as pessoas após essa pandemia terrível (com todos os protocolos de saúde sendo respeitados). Cinema, gastronomia e vinhos vão, certamente, encantar as pessoas que vierem ao Festival. É uma celebração que começa à tarde e vai até a noite, sempre com muita cultura e diversão para turistas e a comunidade de Bento Gonçalves.
Integração – Podemos afirmar que o encontro entre o Jazz e o Vinho é perfeito?
Badia – Reforçando o que respondi anteriormente, é uma combinação perfeita. Existem festivais de Jazz & Wine no mundo inteiro, tamanha é essa pertinência entre as duas culturas. O logotipo do festival, criado pelo designer Thiago Bizarro, inclui uma barrica de vinho. O Jazz e o Vinho são feitos um para o outro.
Foto: Carlos Badia
Crédito: Arquivo Pessoal Carlos Badia
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