Márcia havia se preparado muito para apresentar seu projeto na reunião da agência. Juntou dados, buscou informações e fundamentos, passou noites elaborando e aperfeiçoando sua grande ideia. No dia da apresentação, um colega a interrompeu diversas vezes, a ponto de tirar sua concentração. Quando pontuou sua necessidade de finalizar uma ideia, foi motivo de risinhos e considerada “exagerada”, “nervosa”, “sensível”. Um outro colega, aparentemente na intenção de ajudá-la, em vários momentos “explicou” aos demais o que ela estava querendo dizer, bem como explicou à Márcia o que os demais estavam falando. Mesmo parecendo uma ajuda, Márcia sentiu-se tratada como se não tivesse inteligência suficiente para expressar suas ideias e convencer o público dos benefícios do seu projeto. Márcia saiu da reunião com uma sensação de impotência e com a certeza de que não tinha sido ouvida. Conversando com um colega depois da reunião, Márcia concluiu, na verdade, que não tinha sido capaz de se comunicar corretamente, que seu projeto estava cheio de falhas.
Comunicar-se com clareza, objetividade e firmeza, sem ser autoritário, é um grande desafio para quase todos nós. Alguns tendem a ser impositivos, ou até agressivos na forma como comunicam uma ideia, opinião ou necessidade, enquanto outros encontram dificuldade para expressar suas ideias, preferindo concordar e aceitar a versão alheia, mesmo quando ela não lhes satisfaz.
A habilidade de se comunicar assertivamente, ou seja, com segurança e firmeza, está profundamente relacionada à condição emocional das pessoas. Às vezes podemos conhecer muito sobre um determinado assunto e, mesmo assim, não conseguimos argumentar de maneira a sermos compreendidos ou considerados. As emoções também atrapalham as pessoas que querem expressar uma ideia e ficam aflitas quando não se sentem escutadas, partindo para uma modalidade de ataque-defesa na hora de se comunicar. Como nos sentimos, a forma como nos considerarmos e o lugar de poder em que nos colocamos em relação aos outros faz toda a diferença na comunicação.
E por que falar em comunicação assertiva nesta coluna de março? Porque em março celebramos o Dia Internacional da Mulher. Neste ano de 2022, a BPW Brasil lançou, para as ações do mês da mulher, o desafio de discutir “A comunicação assertiva para o fortalecimento feminino”.
A busca por igualdade passa pela possibilidade das mulheres se comunicarem assertivamente, de serem capazes de fazer valer suas opiniões, sua visão de mundo e contribuírem para a transformação da sociedade na direção de maior justiça, respeito aos corpos e aos direitos de todos os seres humanos.
Sabemos, entretanto, que a tarefa de se comunicar assertivamente é árdua para a maioria das mulheres, porque carregamos o fardo de uma herança social patriarcal e machista, onde lugares desiguais de poder são sustentados por discursos e práticas sociais.
A historinha do início exemplifica esse desafio. Mesmo estando suficientemente preparada, Márcia enfrentou uma dinâmica muito comum nas relações corporativas, que aparece também em outros âmbitos da vida, como as relações familiares e conjugais. Essa dinâmica envolve o que estudiosos chamaram de “manterruping” e “mansplaining”.
Entre outros “efeitos colaterais” da comunicação calcada na desigualdade de poder entre homens e mulheres, o “manterruping” consiste na interrupção desnecessária e constante do discurso de uma mulher, não permitindo que ela consiga concluir sua frase. Esse comportamento é muito comum em reuniões e palestras mistas, quando uma mulher não consegue concluir sua frase por ser constantemente interrompida pelos homens ao redor, sendo que o contrário é muito mais raro de acontecer ou, se acontece, é objeto de estranhamento e desvalorização da mulher.
“Mansplaining” refere-se à atitude de um homem de explicar algo óbvio a uma mulher, de forma didática, como se ela não fosse capaz de entender.
No exemplo de Márcia (nome fictício) observa-se ainda o recurso discursivo chamado “Gaslighting”, palavra derivada do termo inglês “Gaslight”, ‘a luz [inconstante] do candeeiro a gás’, e diz respeito a um dos tipos de abuso psicológico que leva a mulher a achar que enlouqueceu ou está equivocada sobre um assunto, sendo que está originalmente certa. É um jeito de fazer a mulher duvidar do seu senso de percepção, raciocínio, memórias e até da sua sanidade.
Reconhecer e nomear esses recursos discursivos é importante para as mulheres identificarem situações em que são expostas a eles, permitindo criar uma distância emocional para manter o foco em seus argumentos e forma de expressá-los.
A comunicação assertiva é baseada na segurança interna e na capacidade de lidar com as diferenças e identificar abusos, sem se submeter a eles. As mulheres, mais do que os homens em nossa sociedade, estão sujeitas a abalos na autoconfiança e na segurança devido à história, que marca os lugares da mulher no âmbito doméstico e do homem no espaço social. Apesar de muitas conquistas nos aspectos legais, educacionais e econômicos, é fundamental que as mulheres estejam atentas para as sutilezas do discurso, que têm poder de reproduzir estereótipos, impedindo a evolução para uma vida social com mais justiça, liberdade e harmonia.
Imagem: Reprodução Web
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