Secretaria da Agricultura e Emater divulgaram dados preliminares de pesquisa sobre comunidades quilombolas. Atualmente existem 7.685 famílias em 130 comunidades no Rio Grande do Sul
No mês da consciência negra (novembro), a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) e a Emater/RS-Ascar divulgaram dados preliminares de âmbito estadual da pesquisa “Comunidades Remanescentes dos Quilombos Certificadas do RS: Diagnóstico social, econômico e produtivo”. Existem hoje no Rio Grande do Sul 7.685 famílias, totalizando 24 mil pessoas, em 67 municípios; sendo 6.512 famílias rurais e 1.173 famílias em meio urbano. Do total de 130 comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), 113 são rurais (87%) e 17 estão situadas em meio urbano.
Segundo a coordenadora do estudo, socióloga e pesquisadora do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA) da Seapdr, Denise Reif Kroeff, a ideia do trabalho é elaborar o diagnóstico social, econômico e produtivo das comunidades, além de criar uma base de dados sistematizada de cada uma delas, subsidiar a elaboração de políticas públicas voltadas a este público e identificar bens culturais das comunidades com vistas à sua valorização.
Sobre a pesquisa
O estudo foi coordenado pela Seapdr e executado pela Emater. Nos meses de março e abril desse ano foi feita a pesquisa de campo, estruturada e coordenada por uma equipe multidisciplinar de 10 pesquisadores (veterinário, agrônomo, nutricionista, cientista social, fotógrafo e cineasta). A coleta de dados foi realizada pelos técnicos da Emater em 67 municípios com ocorrência de comunidades quilombolas.
Denise explica que usou como unidade de análise da pesquisa a “comunidade”, pois as famílias quilombolas estão sendo entrevistadas no âmbito do Censo, pelo IBGE. “Buscamos informação sobre disponibilidade de serviços de saúde e educação às comunidades, bens culturais, organização comunitária, produção agropecuária e comercialização, entre outros aspectos”, destaca a socióloga.
Conforme o quilombola da Comunidade Armada, Quinto Distrito de Canguçu, vice-presidente da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul e coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), José Alex, a realização do diagnóstico era uma demanda das comunidades. “Com os dados que foram levantados, podemos discutir as necessidades de políticas públicas para as comunidades quilombolas”, acredita. “Essa parceria com a Seapdr e com a Emater, de conseguirem um diagnóstico com diversas lideranças e nos trazer é muito rica e vai servir para a elaboração de proposta que vai ajudar as comunidades quilombolas”.
“Todos os dados foram fornecidos pelos próprios quilombolas, sendo assim, foi acatada a demanda dos representantes dos quilombolas e do movimento negro, de que eles fossem ouvidos quando se pesquisasse sobre eles”, esclarece Denise. “Foram entrevistadas em média seis pessoas por comunidade, sendo um mínimo de três. Ao todo, foram ouvidos 778 quilombolas”.
De acordo com a socióloga, nunca foi feita uma pesquisa quantitativa com todas as comunidades certificadas do Rio Grande do Sul e com tão amplo espectro de temas. “A última sobre as várias comunidades negras rurais do Estado foi feita há 17 anos, no âmbito do Programa RS Rural da Secretaria da Agricultura”, diz Denise.
O engenheiro agrônomo Luiz Fernando Fleck, também pesquisador do DDPA/Seapdr, conta que, para formular e executar políticas públicas, é fundamental ter informações para subsidiar essas políticas, para que elas sejam bem focalizadas e atendam ao público e aos objetivos a que elas se propõem.
“A história das comunidades quilombolas é marcada pela diáspora africana, quando foi forçado o ‘esquecimento’ da sua cultura. Sendo assim, é importante para as próprias comunidades quilombolas e para a sociedade gaúcha reconhecer e dar visibilidade às características peculiares e à identidade dessas comunidades, contribuindo para o seu respeito e valorização”, acredita a nutricionista da Emater/RS-Ascar, Regina Miranda, responsável pela área quilombola da instituição.
Resultados preliminares em âmbito estadual
As regiões que possuem mais comunidades são a Sudeste–rio-grandense, com 50 comunidades (38%), que envolve os municípios de Canguçu, São Lourenço, Pelotas, Piratini, entre outros; e a Metropolitana de Porto Alegre, com 33 comunidades (25%). Nessas duas regiões do Estado estão 64% das comunidades. Com relação ao número de famílias, a posição dessas regiões se inverte: a Região Metropolitana tem 3.061 famílias (40%) e a Sudeste–rio-grandense tem 2.131 famílias (28%).
De todas as comunidades, 65% estão no local há mais de 101 anos (sendo que 20% estão há mais de 201 anos). Quanto ao acesso, 37% estão há mais de 30 quilômetros da sede e 66% têm acesso de chão batido.
Apenas 49% das comunidades possuem rede de distribuição de água. O abastecimento é feito de mais de uma forma, sendo as mais citadas pelos quilombolas o poço (32%) e cacimba (25%). O escoamento sanitário se dá de formas diferentes. As mais citadas são fossa séptica (41%), fossa rudimentar (31%), vala ou céu aberto (22%).
Quanto à organização das comunidades, 80% têm associação quilombola, sendo ainda expressiva a participação nos Conselhos Municipais (60%), especialmente da Saúde, Igualdade Racial, Agricultura e Assistência Social.
Abordando a produção agropecuária, na produção vegetal, em termos de percentual sobre o total das comunidades, aparece a produção de hortaliça em 87%, batata-doce em 83%, frutas em 83%, milho em 82%, feijão em 80%, e mandioca em 77%, entre outras culturas.
Em relação à produção animal, também em termos de percentuais sobre o número total de comunidades, a de ovos alcança 82% das comunidades, aves de corte aparecem em 81% delas, e de suínos em 79%.
“Ainda temos a manufatura de pão em 80% das comunidades, geleia em 68% e conservas em 58%, levando em conta o percentual sobre o número de comunidades”, destaca Fleck. “A produção das comunidades quilombolas é essencialmente dedicada aos produtos alimentares, tanto no que se refere à produção vegetal como à produção animal, além dos produtos processados. Parte expressiva se destina ao autoconsumo das famílias, evidenciando sua importância para a segurança e qualidade alimentar”.
Quando se foca na comercialização da produção, 80% das comunidades quilombolas têm parte da produção das famílias comercializada, embora a maior importância seja dada ao autoconsumo familiar. Os canais de comercialização mais citados são: venda para conhecidos e vizinhos (85%); atravessador (34%); feiras (24%); comércio/indústria (14%). “Apesar do destino dos alimentos ser principalmente para o autoconsumo, é também expressiva a produção destinada à comercialização, com a consequente geração de parte das rendas auferidas pelas famílias quilombolas”, destaca a socióloga.
Outro dado: em 80% das comunidades, há famílias que acessaram crédito para financiamento de atividades produtivas, com maior expressão do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), seguido do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper).
Mais destaques: em 58% das comunidades quilombolas há sementes crioulas (especialmente milho, feijão, abóbora). “Portanto, essas comunidades preservam um patrimônio genético único e diverso. São guardiões de sementes”, salienta Denise.
A pesquisadora conta que em algumas comunidades a agricultura é feita com a fase lunar. “São sistemas simplificados de cultivo, na maioria das vezes sem o uso de agrotóxicos, e com aproveitamento dos recursos locais e a comercialização da produção estabelecida em circuitos curtos, o que contribui para a sustentabilidade ambiental”.
Foto: Comunidade Canta Galo, em São Lourenço do Sul
Crédito: Fernando Dias/Seapdr
Texto: Darlene Silveira
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