Psicólogas da BPW Brasil – Conexão PSI abordam o assunto no mês da campanha Agosto Lilás
É chegado o mês de agosto e a campanha intitulada “Agosto Lilás” nos convoca a pensar a respeito dos relacionamentos íntimos e da violência contra a mulher. A campanha nacional do Agosto Lilás tem como objetivo promover a reflexão e o enfrentamento das situações de violência contra a mulher, por muitas décadas naturalizadas em decorrência das características patriarcais e da ideologia machista da nossa sociedade.
Como sociedade, precisamos avançar na direção do respeito às diferenças e na igualdade de direitos, superando preconceitos e discriminações. Como indivíduos estamos, mais do que nunca, conscientes de que merecemos ser felizes, construirmos relações harmoniosas, expandirmos nossa criatividade e nossas habilidades. A própria pandemia do coronavírus mostrou a todos que temos limites, que precisamos cuidar de nós mesmos, fazer boas escolhas e desfrutar de cada momento de alegria e realização que pudermos vivenciar.
Conforme estudos recentes sobre longevidade, pesquisadores apontam que um dos fatores mais importantes para uma vida longa e com saúde é a construção de bons relacionamentos. Mas por que muitas vezes parece tão difícil? Por que tantos conflitos nas relações pessoais e nas relações íntimas? Por que o número de divórcios é cada vez maior?
Estas perguntas nos apontam para a necessidade de entender a diferença entre relacionamentos saudáveis e relacionamentos abusivos.
O que é um relacionamento abusivo?
Relacionamento abusivo é uma situação em que uma das partes exerce extremo poder sobre a outra, criando dependência e modificando comportamentos, percepções sobre si e até mesmo valores.
Ao contrário do que muita gente pensa, relacionamentos abusivos não incluem necessariamente violência física, mas nele estão presentes diversas formas de agressão que muitas vezes são sutis, como a financeira, sexual, psicológica emocional. Por isso fica ainda mais difícil identificar.
Engana-se, também, quem acredita que apenas o homem exerce esse papel de opressor ou abusador. Apesar de ser bem menos frequente e menos revelado, muitas mulheres estabelecem relações abusivas com seus parceiros, manipulando-os, criando dependência e levando a sérios prejuízos emocionais. A violência doméstica contra homens também acontece, porém em menor grau e com menor prevalência de situações de agressão física.
Abuso emocional ou psicológico
O abuso emocional é uma forma de violência psicológica que resulta em consequências negativas para a vítima, como a dependência emocional do abusador, falta de confiança em si mesmo e até doenças físicas ou mentais, como a depressão. O relacionamento abusivo modifica o funcionamento psicológico da pessoa, deixando-a vulnerável, insegura e acreditando que precisa da outra pessoa para ser feliz e para viver. Sentimentos de culpa e vergonha são frequentes nos relacionamentos abusivos.
É muito difícil perceber quando se está passando por um relacionamento abusivo. Isso ocorre porque muitas das expressões desse tipo de violência se assemelham com o entendimento que algumas pessoas têm do “amor”. Ciúme em excesso, superproteção, elogios como forma de controle, entre outras atitudes tóxicas, são tidas como naturais sob o pretexto de que o parceiro “faz isso porque ama”. O relacionamento abusivo comumente tem características viciosas: se a pessoa não aguenta mais sofrer e resolve terminar, o parceiro abusador promete que vai mudar e que ele “precisa desse amor para viver”. Como resultado, a outra parte acredita e o ciclo se reinicia.
Principais sinais de um relacionamento abusivo
Controle
Geralmente o controle começa com coisas simples, como o horário em que o par chega e sai dos lugares, a roupa que usa, as escolhas alimentares. Inicialmente esse controle aparece disfarçado de cuidado e preocupação, revelado em frases como “só quero saber se você está bem”, “não quero que você passe a imagem errada”, “quero você sempre bonita”.
O controle pode tomar tal proporção que pedir permissão passa a ser rotina. Ao invés de ser dona de si mesmo, a pessoa passa a sentir necessidade de aprovação para ir a lugares, conversar com pessoas e fazer aquilo que tem vontade. Já não consegue perceber que em uma relação sadia há diálogo e não pedido de permissão.
Humilhação
Nos relacionamentos abusivos, diminuir o outro e fazê-lo sentir-se envergonhado, principalmente em situações sociais, é algo comum. Isso é geralmente feito em tom de brincadeira ou através de piadinhas, levando a vítima a desejar diminuir o convívio social. A pessoa passa a se sentir “errada”, envergonhada de si mesmo e busca isola-se para evitar a crítica.
Sentimento de culpa
A pessoa que está num relacionamento abusivo passa a ter sentimentos de insuficiência, sensação de ter desapontado o parceiro e, com frequência, fica à espera do seu “olhar censurador”. Os problemas da relação são frequentemente atribuídos à pessoa abusada, que assume a responsabilidade de todos os erros cometidos, inclusive pelo outro. Em determinado momento, a vítima não consegue mais enxergar seu valor, sua individualidade, e passa a achar que é culpada de toda a infelicidade da relação.
Como sair de um relacionamento abusivo
Em primeiro lugar é importante reconhecer que você está em um relacionamento abusivo.
Ao ler este artigo, acendeu uma luzinha de alerta na sua cabeça? Se sim, cuidado! Vale prestar atenção em como você se sente na maioria do tempo no relacionamento com o seu parceiro. Conflitos existem em todos os relacionamentos e, com certeza, nos modificamos como pessoas em qualquer relacionamento, equilibrando nossas vontades desejos com as necessidades, vontades e desejos do outro. Isso deve dar-se, entretanto, num ambiente de segurança emocional, onde na maioria do tempo as pessoas se sintam compreendidas e respeitadas na sua individualidade. Os momentos de mal-estar num relacionamento saudável são exceção e costumam ser resolvidos com diálogo franco, onde cada um assume algumas responsabilidades.
Um relacionamento saudável nos permite crescer como pessoa e desenvolver nossas capacidades emocionais, ampliando horizontes, sentindo-se um ser humano cada vez mais pleno. Se você está em um relacionamento em que tem sentido mais perdas do que ganhos, sente-se afastando dos seus valores e de tudo o que lhe trazia satisfação, aconchego e estabilidade, é importante questionar-se.
É muito difícil reconhecer que a pessoa que amamos possa estar prejudicando nosso emocional, e isso atrapalha o reconhecimento de um relacionamento abusivo. É importante entender que o abusador geralmente não estabelece esse tipo de relação de maneira consciente, ou seja, de propósito. Ele está atendendo necessidades não resolvidas na sua história de vida. No perfil das pessoas que estabelecem relacionamentos abusivos está a insegurança profunda, o medo do abandono, dificuldades no estabelecimento da identidade e traumas infantis relacionados ao desamparo. Devido a tudo isso, as pessoas envolvidas em relacionamento abusivo precisam de ajuda.
Muitas vezes é difícil sair de um relacionamento abusivo sozinho. É importante, portanto, contar com pessoas, amigos, familiares, que possam trazer um “olhar de fora”. Quando alguém que conhece você a vida inteira está notando algo errado, ouça com carinho e atenção.
É também muito importante pedir ajuda, pois quando se está em um relacionamento abusivo é necessário muito apoio devido à fragilização da autoestima. Sair de um relacionamento abusivo exige enfrentar muitas vezes chantagens psicológicas, ameaças ou reações emocionais intensas do parceiro.
Se possível, procure um profissional da psicologia para lhe ajudar a lidar com seus sentimentos, pois esta mudança pode ser difícil e gerar sensação de desestabilidade e confusão.
Se a situação já estiver grave, lembre-se que existem formas de denunciar o abuso e a violência não apenas física, mas também psicológica. O número 180 serve para denúncias para a Central de Atendimento à Mulher em todo o país. Em Bento Gonçalves contamos com diferentes serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, como o Centro Revivi, para orientações, aconselhamento e atendimento psicológico; a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM); a Patrulha Maria da Penha, que monitora casos de violência, buscando garantir a segurança das vítimas; e o sistema judiciário, que oferece resposta de garantia de direitos e proteção, conforme as regulamentações próprias, com destaque para a lei Maria da Penha.
Não fique calada. Todos temos direito a uma vida digna e relações saudáveis, mas é responsabilidade de cada um de nós fazer boas escolhas na direção da nossa felicidade.