Por Ademir Antônio Bacca
“Aquela sanfona branca / Aquele chapéu de couro / É quem meu povo proclama / Luiz Gonzaga é de ouro / Aquele tom nordestino / A voz sai do coração / É ele o rei do baião, é Luiz/ É cantador do sertão / É filho de Januário / É quem canta o Juazeiro / É festa, é povo, Luiz alegria / Luiz Gonzaga é poesia”
(Sanfona Branca, Benito Di Paula)
Por trás da famosa imagem do cantor Luiz Gonzaga tocando a sua sanfona branca, há uma linda história por poucos conhecida, acontecida em dois atos, na cidade de Bento Gonçalves.
Tudo começou com um telefonema do Rei do Baião ao empresário Luiz Matheus Todeschini, diretor presidente da maior fábrica de acordeões da América do Sul, comunicando que ele estava a caminho de Bento Gonçalves em busca do acordeão dos seus sonhos.
— E o senhor, Seu Luiz, vai fazer essa sanfona para mim, disse o cantor nascido em Exu, em Pernambuco, ao se despedir.
Poucos dias depois, Gonzagão chegava a Bento Gonçalves e se instalava na casa do empresário, na rua 10 de novembro, onde permaneceria por duas semanas.
De imediato disse ao empresário como queria a sua sanfona, em tamanho fora do padrão da linha Todeschini, e deixou claro que ela tinha que ser branca, para contrastar com o gibão de couro cru que usava em suas apresentações.
Luiz Matheus reuniu alguns dos seus melhores colaboradores e, tendo Gonzagão palpitando ao lado, dedicaram quase dez dias exclusivos de trabalho para fazer a gaita dos sonhos do já então ídolo da música popular brasileira.
Concluído o trabalho de equipe e o produto final devidamente aprovado pelo cliente, era preciso inaugurar a sanfona em grande estilo.
E foi o que aconteceu em pleno centro da cidade, em frente ao Edifício Bento Gonçalves, quando Gonzagão apresentou oficialmente a sua sonhada sanfona branca para uma grande plateia que se formou ao seu redor já no primeiro acorde. Logo após os primeiros acordes, aconteceu um fato inusitado, que ficaria registrado e marcado como a integração do gaúcho com o nordestino: o tradicionalista Edes Moré, acompanhado do filho Luciano, devidamente pilchados, alinharam-se a Gonzagão, vestido a caráter com sua roupa nordestina. Num gesto de carinho, o cantor tira seu chapéu de vaqueiro da cabeça e o troca pelo gaudério de Moré, sem interromper a canção que interpretava, sob os aplausos da população. Foi o fecho de ouro da passagem do grande cantor por Bento Gonçalves que, a partir daquele dia incerto de 1967, passou a carregar em todos os palcos por onde se apresentou, a marca Todeschini gravada em letras douradas na sua famosa sanfona branca.
A Garota Todeschini
A passagem de Luiz Gonzaga pela fábrica de acordeões Todeschini coincidiu com a escolha da rainha da empresa, evento comum naqueles anos. A vencedora foi Maria Helena Bonatto (hoje Brunetto), a quem o compositor escreveu (e dedicou) a canção “Garota Todeschini”, que ele incluiu em seu primeiro disco gravado com a sanfona branca. Na letra, ele faz um agradecimento às trabalhadoras da empresa que, com suas mãos, fazem os acordeões com que os sanfoneiros/gaiteiros ganham o seu pão, mas deixa nas entrelinhas uma admiração pela jovem rainha:
Garota Todeschini / Ouça bem essa homenagem / Que um caboclo de coragem / Sanfoneiro e cantador / Que nunca cantou vantagem / Nem na luta e nem no amor // Você gauchinha merece / Toda minha gratidão / Por fazer esta sanfona / Pr’ eu tocar o meu baião } bis
Quando boto ela no peito / Sinto o mundo em minha mão / Cada baixo representa / Um pedacinho do sertão / É dela que tiro o pão/ Com ela é que eu dou estudo / Garota Todeschini, prenda minha / Com essa gaita e você sou tudo } bis
(Garota Todeschini, letra e música de Luiz Gonzaga)
Malandramente, o cantor deixa nas entrelinhas a dúvida de qual seria a garota Todeschini: a rainha da empresa ou a nova sanfona? Na dúvida, aposte nas duas.
Fotos: Capa – Luiz Gonzaga e a sanfona branca fabricada exclusivamente para ele
Interna – Luiz Matheus Todeschini
Reprodução Ademir Antonio Bacca
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