Na mitologia grega, Sísifo era o mais inteligente e astuto dos mortais. Certa vez, Zeus, deus dos deuses, incomodado com seu comportamento, lhe enviou Tânato, a Morte. Sísifo não se intimidou: enganou Tânato e o trancou em um calabouço. A partir de então, ninguém mais morreria, o que irritou ainda mais os deuses.
Zeus, vendo aquilo, liberta a Morte e essa sai novamente ao encalço de Sísifo, e agora o alcança. Sísifo vai ao inferno, mas não se dá por vencido: lá consegue ludibriar Hades, guardião da morada dos mortos, e retorna ao mundo. Vive longa vida e morre de velhice. Mas seu castigo estava guardado: ao chegar ao inferno, e por ter logrado a Morte por duas vezes, ele é condenado a arrastar eternamente uma imensa pedra até o cume de uma montanha, só para vê-la rolar ladeira abaixo assim que próxima ao cume. Estava colocada a maldição de Sísifo. Até o fim dos tempos.
O mito de Sísifo expressa uma experiência fundamental e que toca a todos os homens. Em pleno século XXI, todos sentimos a dor de Sísifo em nossa vida cotidiana. Isso porque, o mito nos fala da inutilidade de todos os nossos afazeres sob o Sol. Sísifo é o próprio Eclesiastes: cético e desesperançoso, às voltas com a falta de sentido de todos os nossos atos. Esse herói nos mostra que nada mais fazemos do que rolar a nossa pedra, o nosso fardo diário feito de labuta e rotina, até o dia em que a morte nos alcançará.
Nem tudo em Sísifo é amargura, no entanto. Se soubermos olhar, há nesta história uma mensagem de perseverança e coragem. Camus, filósofo francês do absurdo, nos diz que na descida de Sísifo atrás da pedra também mora a alegria. Sim, não há como escapar da rocha descomunal – quinhão de todo homem –, mas nela também habita o sentido da existência. “É preciso imaginar Sísifo feliz”, arrebata o filósofo.
Enquanto a pedra despenca morro abaixo, Sísifo pode apreciar a paisagem, ele está livre – mesmo que temporariamente – e a pedra que se dane! O rochedo (a dor de viver) nada pode contra os momentos felizes que vivenciamos em nossa curta jornada pela Terra. Mesmo que a pedra tenha que ser novamente empurrada.
A pedra de Sísifo simboliza a vida como ela é, com seus percalços, fracassos, erros, medos, angústias e frustrações. Mas também com alegria, esperança, beleza, fantasia e, sobretudo, o amor. Há que se aceitar a pedra que rola montanha abaixo, após tanto esforço em com ela subir. Essa rocha que para sempre despencará, desafiando nossa determinação. Mas desistir da pedra é pior do que ser esmagado por ela, pois então nada mais restará a não ser a falta total de sentido.
Sísifo nos ensina que é necessário atuar sobre a pedra, mesmo sabendo que ao final ela irá parar ao pé da montanha. A própria luta em face da pedra já tem todo o sentido de que Sísifo precisa. Isso vale a todos nós. Ao final, tudo é questão de como empurramos nossa pedra diária. Podemos fazer isso com amargura ou alegria.
As pedras, esses obstáculos com as quais nos defrontamos por toda a vida, estão aí, é fato. Mas, se é certo de que haverá pedras, ninguém deve carregá-las consigo, no entanto. Não se colocam pedras em uma cesta, aumentando o peso da jornada. A existência já é pesada por si só.
Pedras, lembremos, podem servir para construir uma escada. Uma casa. Uma catedral. Pedras, ao final, tem o sentido que damos a elas. Assim como na vida.
É preciso aceitar a pedra; arrastar a pedra; vencer a pedra. Camus tinha toda a razão: é preciso imaginar Sísifo feliz.
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Prezados leitores e estimadas leitoras:
Desejo-lhes um Feliz e Abençoado Ano Novo, com muita saúde e paz. E que, em 2025, sigamos empurrando nossa pedra, com muita alegria,
coragem e determinação.
Por Rogério Gava
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