José Mindlin, o saudoso bibliófilo, que ao longo da vida montou uma das maiores e mais raras bibliotecas do Brasil, costumava dizer: “meus livros não me pertencem, eu apenas os guardo; sou um guardião de livros”. Tanto que, ao morrer, doou a maior parte de sua preciosíssima coleção, avaliada em milhões de dólares, para a Universidade de São Paulo. Essa atitude me inspira já há um bom tempo. Reconhecer, sinceramente, que nossos “pertences”, no fundo, não nos pertencem. Uma lição de humildade e de sabedoria diante da fugacidade da vida.
“Nada fica de nada, nada somos”, escreveu Pessoa, grande poeta. E “nada temos, apenas usamos”, poderíamos complementar. Meu carro, minha casa, minhas roupas, meus livros, minha conta corrente: apenas bens de empréstimo. Nada disso será meu quando eu não estiver mais por estas paragens. Sou feliz, portanto, não por ter, mas pelo uso que faço do que tenho. Pela oportunidade única de usufruir.
Tudo isso me faz lembrar de um conto do grande escritor russo Leon Tolstói, chamado “De quanta terra precisa o homem?”. É a história do camponês Pahóm, um homem obcecado pelo desejo de riqueza. “Se eu tivesse muita terra, não temeria nem mesmo o próprio diabo”, dizia ele.
O demônio, no entanto, certa vez o escuta, e faz com que Pahóm fique enfeitiçado pela ideia de juntar cada vez mais. O camponês parte então para a terra dos Bashkirs, onde poderia adquirir mais propriedades. Lá chegando, é desafiado pelo chefe da aldeia: ele teria toda a terra que conseguisse percorrer a pé durante um dia. Porém, deveria retornar ao ponto de partida antes do poente. Caso contrário, perderia tudo.
Pahóm aceita o desafio, mas, louco de ambição, vai muito longe, e exaure todas as forças para conseguir retornar antes de o Sol se pôr. Quando finalmente completa a jornada, cai morto, esgotado pelo esforço extremo que fizera. Apenas um metro e oitenta de chão foi necessário para sepultá-lo. Era essa toda a terra de que Pahóm necessitava.
Nada levaremos ao final da jornada. O desapego, no entanto, é difícil, e levante o braço quem acha o contrário. Lutamos pelo que temos e nos apegamos aos bens materiais, às “nossas” coisas. É compreensível. Mas, inebriados pela posse, esquecemos que, no exato segundo de nosso desaparecimento, nada mais nos pertencerá.
O defunto, coitado, leva para baixo da terra apenas uma veste. Todo o resto do guarda-roupa, sabe-se lá a que fim será dado. O ter é uma ilusão. Nossos sonhos de propriedade são areia ao vento. Poeira que se desfaz. É bom sempre lembrar disso. Para não terminarmos como o pobre camponês do conto, que morreu de tanto querer acumular.
Por Rogério Gava
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