O clima invoca sentimentos. Não sei se o caro leitor e a estimada leitora também têm essa impressão. Os primeiros ventos frios anunciando o fim do verão, por exemplo: é só chegarem e o guri que fui bate à porta. Tive uma infância de datas precisas e estações bem definidas. Os mais velhos irão se lembrar: verão era verão, inverno era inverno, e as aulas começavam religiosamente no dia 1º de março. Sempre. Recordo que colegas aniversariantes nesse dia eram alvo de chacotas: “baita” azar fazer aniversário justo no dia em que as férias acabavam!
Na minha mente simples de garoto era assim que o calendário funcionava: três meses de calor, piscina e praia. Tudo isso recheado pelo Natal – ou seja, presentes – e pela festa da virada do ano, onde podíamos ficar acordados até tarde. Sobrava tempo livre, sem temas da escola, para ler gibis de faroeste e assistir televisão. Além de brincar na rua, sem a preocupação com a segurança de hoje. As férias eram um viveiro de prazeres.
As manhãs já não tão quentes de março anunciavam as aulas. Até hoje posso sentir o cheiro maravilhoso dos livros e cadernos novos em folha, das borrachas, dos lápis, estojos, pastas (não havia mochilas), guaches, pincéis e – o ápice – das “canetinhas hidrocor”, que não eram bem-vistas por muitos professores (uma vez escrito não apagava mais) e muito menos pelos pais, pois eram caras.
Logo depois do início das aulas – “logo” aos meus olhos de hoje, pois naquele tempo um mês parecia um século – vinha a Páscoa, e com ela o frio definitivo; era batata. Pelo menos não me lembro de “calores” fora do lugar. E no Domingo de Páscoa quase sempre chovia. Chuva, frio, almoço fora com a família e chocolate liberado. A vida era só o sublime agora das crianças.
Na metade do ano o frio pegava para valer. Ia-se a pé à escola, exceto quando chovia muito, e nos encapotávamos até os dentes para enfrentar a caminhada. Sempre de olho no relógio, pois atraso – mesmo de um minuto – significava bater com a cara no portão da escola e encrenca com a direção.
Chegava, então, a primavera, anunciada pela sinfonia estridente das cigarras. Com ela, os primeiros prenúncios de que o inverno ficara definitivamente para trás. Começavam os ensaios para o desfile de 7 de setembro. Uma lembrança marcante: a celebração abria oficialmente a venda de picolés pelos ambulantes. Estranho, mas até então não se via nenhum; eles surgiam nesse dia como que descidos de uma nave espacial da felicidade gelada. Lembro aos mais novos que não existia essa coisa de tomar sorvete ou picolé todo o ano, como é hoje. Picolé só existia no verão. No inverno dava gripe e mandava as pessoas para o hospital; rezava a lenda que eles podiam até matar!
Passado setembro, engatávamos o túnel que levava ao final do ano. O calor começava a retornar. O objetivo agora era acabar as aulas sem exame, para ter mais férias. E, por que não dizer, sentir aquele ar de superioridade intelectual em relação aos outros que não haviam conseguido passar direto. E lá estávamos nós outra vez, às portas do verão e do Natal.
As estações mudaram ou eu mudei? As duas coisas ao mesmo tempo, creio. O clima anda meio louco, e, às vezes, a impressão que temos é que as estações não têm mais os limites tão bem desenhados como outrora. Quanto à criança que fui, essa saiu de cena já faz tempo, é claro. Mas não desapareceu por completo; apenas se escondeu. Volta e meia ela aparece. Como um dia desses, quando comentou comigo que as noites de verão são as melhores para observar as Três Marias na constelação de Órion. Já estou arrumando o meu velho telescópio…
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Um Feliz e Abençoado Natal a todos os leitores e leitoras desse espaço. Que saibamos sempre conservar a criança que fomos. Afinal, como disse o Cristo, é delas o Reino dos Céus.
Por Rogério Gava