2020 é um ano que ficará na história. A pandemia da Covid 19 desafiou a humanidade, em pleno século XXI, a buscar alternativas para sobreviver, do ponto de vista físico, social, econômico e também psicológico. Em cada canto desse mundo, cientistas e profissionais se dedicaram a enfrentar a nova doença e suas repercussões na vida, tal como a conhecíamos.
Iniciou-se uma corrida para a testagem de medicações, implemento estrutural na assistência à saúde, reforço nos diversos sistemas de saúde e, principalmente, pesquisas sobre a vacina.
Reestruturação econômica, planos de auxílios e renda, políticas para a defesa das populações mais vulneráveis, reconversão industrial e uso de novas tecnologias de informação, com destaque para o teletrabalho, ensino remoto e comunicação por videochamadas também surgiram com força total, tomando conta do nosso cotidiano, a ponto de supormos que não haverá mais uma volta ao que conhecíamos antes, mas um “novo futuro”.
Ao lado dessas mudanças, tivemos que aprender a lidar com a vivência da morte, do sofrimento e da dor. Tudo isso testou, de forma radical, nossa capacidade humana de adaptação, gerando em todos, indiscriminadamente, um “mal-estar”.
Esse “mal-estar” foi se instalando, mesmo que tenhamos conseguido nos reinventar no trabalho e na vida produtiva, mesmo que tenhamos conseguido nos proteger dentro das nossas casas, afetando nosso emocional em maior ou menor grau.
Algo “invisível” estava no ar, tão invisível quanto o vírus que nos ameaça: era o “invisível da crise”. Este foi o tema da primeira Roda de Conversa do Grupo Conexão Psi, da BPW Bento Gonçalves, em maio de 2020. Com este tema, as psicólogas do projeto abriram a discussão sobre as diversas emoções que todos vínhamos sentindo, mas que precisavam ser faladas, nomeadas, para poderem ser enfrentadas. Numa roda de conversa, com a palavra livre, os participantes tinham oportunidade de falar da insegurança, da incerteza quanto ao futuro, do medo do sofrimento e da morte e do medo das diferentes perdas – perdas financeiras, perda da segurança, perda das pessoas amadas, etc. Ao colocarmos nossas emoções em palavras, vamos abrindo um universo de possibilidades e alternativas, pois somente conseguimos encontrar caminhos para questões sobre as quais podemos pensar, enxergar. Ao contrário, os sintomas, os quadros psiquiátricos, se instalam quando não conseguimos expressar simbolicamente, através da linguagem, aquilo que nos atormenta.
E em 2021? Como nos encontramos? Uma nova onda, imposta por uma variante do vírus, aparentemente mais contagiosa e letal, nos encontrou esperançosos, bem quando estávamos prestes a acreditar na retomada da nossa “vida normal”, animados com a grande promessa da vacina. Um verdadeiro “banho de água fria”, que novamente testou nossa capacidade psicológica. Estudantes prontos a voltar para a escola, encontrar com amigos e resgatar algo tão fundamental nessa fase do desenvolvimento. Adultos animados com as perspectivas de trabalho e retomada da vida social; pessoas sedentas por reencontros, por viagens, por liberdade!
Um novo mal-estar se instalou, agora com coloridos de dúvida. Exaustos pelo isolamento, muitos já não conseguem mais manter os protocolos de segurança. Alguns pesquisadores chamam isso de “fadiga de cautela”. Mais hospitalizações, UTIs lotadas e mais mortes. Alguns ficaram anestesiados, outros escolheram dirigir a raiva para diferentes objetos – pode ser um político, um tratamento, um médico, um participante do BBB, até um vizinho ou familiar. O que está agora nos causando mal-estar? Mais do que o medo da doença em si, estamos experimentando hoje decepção, frustração.
Nesse momento precisamos aceitar que a vida segue o seu curso, não o que desejamos, mas o que ocorre por razões maiores e mais fortes do que nós. É preciso estarmos atentos e preparados para os limites que a vida impõe. Eles sempre estiveram presentes. Sempre. Alguns maiores, outros nem tanto, mas a vida é isto, o surpreendente!
Diante disso, como podemos lidar com todas essas emoções?
O segredo segue sendo o mesmo: falar, nomear, reconhecer. Só assim poderemos eleger bons mecanismos de enfrentamento. Procuremos, na nossa “caixa de ferramentas emocionais”, as melhores estratégias para aceitar o que não podemos mudar, para buscar o equilíbrio entre as nossas diferentes necessidades – fugindo de extremismos – a confiar naqueles que nos acompanham na trajetória da vida, aqueles que amamos e que nos amam. Enfim, aceitação, confiança, perseverança são as melhores ferramentas. Com certeza, cada um de nós já teve de lançar mão delas em algum momento da vida. Levantemos e sigamos em frente, porque, como diz o poema de Guimarães Rosa, “a vida é assim, afrouxa e depois desinquieta… o que ela quer da gente é coragem”.